DIREITO INTERNACIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. CONVENÇÃO SOBRE OS ASPECTOS CIVIS DO SEQUESTRO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS - CONVENÇÃO DE HAIA. UNIÃO. INTERESSE DE NATUREZA PÚBLICA. ASSISTÊNCIA LITISCONSORCIAL. RESIDÊNCIA HABITUAL. DEFINIÇÃO. INTERESSE DO MENOR. DIREITO INDISPONÍVEL. BUSCA DA VERDADE REAL. PODER INSTRUTÓRIO DO JUIZ. ARTIGO 130 DO CPC. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA MONOCRÁTICA. AGRAVO REGIMENTAL, APELAÇÃO E AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL PREJUDICADOS.
1. Trata-se de ação cautelar de busca e apreensão de menor supostamente removido do país de sua residência habitual, promovido pelo pai em face da mãe, com fulcro na Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças - Convenção de Haia -, promulgada pelo Decreto nº 3.413/2000.
2. A intervenção da União no feito, na qualidade de assistente litisconsorcial, é de rigor, eis que o seu próprio interesse, de natureza pública, consiste no dever de cumprimento das obrigações assumidas em sede de Convenção Internacional, pode ser afetado (artigo 54, CPC).
3. Do teor do artigo 7º, letra f, da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, Convenção de Haia de 25.10.1980, promulgada pelo Decreto nº 3.413m de 14.04.2000, depreende-se não apenas a legitimidade ativa ad causam da União, mas especialmente o seu interesse, eis que designada, no Brasil, como autoridade central a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
4. A jurisprudência não diverge acerca do interesse da União em casos análogos, assegurando-lhe tanto a condição de legitimada ativa ordinária, quanto de assistente em hipóteses onde o cumprimento da Convenção Internacional é requerido diretamente por um dos genitores do menor. Precedente: STJ, 2ª Seção, CC 100.345, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, j. 11.02.2009, DJe 18.03.2009.
5. O artigo 3º da Convenção de Haia, aprovada pelo Decreto nº 3.413/2000, elenca os requisitos para caracterização da transferência ou retenção ilícita de uma criança: a) tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoa ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da retenção; e b) esse direito sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse está-lo sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.
6. Desta feita, para o reconhecimento da retenção ilícita do menor é imprescindível a definição do local de sua residência habitual, demonstrando sua transferência para Estado diverso daquele em que residia, com a cautela e prudência que a situação exige, por envolver o bem estar da criança, de seus pais e, inclusive, dos Estados envolvidos na controvérsia.
7. Apesar de a presente demanda versar, tão somente, a respeito da restituição do menor para o Estado de sua suposta residência habitual, e não sobre o direito de guarda, o reconhecimento de sua transferência e retenção ilícitas pela mãe nele refletirá diretamente, já que restará reconhecida a competência do Estado de residência habitual para decisão acerca do tema, conforme previsto pela Convenção de Haia.
8. Qualquer direito atinente ao interesse do menor é indisponível, de ordem pública, e o reconhecimento da retenção ilícita da criança requer ampla análise da real situação fática das partes envolvidas, lastreada em robusta prova, a fim de se apurar, com a certeza necessária, a residência habitual da criança.
9. O presente feito não se encontra devidamente instruído, perdurando dúvidas e divergências quanto ao local de residência habitual do menor, sendo necessária a produção de provas para esclarecimento da questão.
10. Tratando-se de direito indisponível - pois envolve interesse de menor - deveria o e. Magistrado singular, como destinatário da prova, determinar a realização de todas as provas admissíveis com o fito de dirimir as incongruências e contradições que os demandantes demonstraram nestes autos, objetivando a busca da verdade real, corolário do processo justo e eficaz, não podendo o MM. Juiz a quo se furtar de tal providência, conforme determina o artigo 130 do CPC. Precedentes do STJ: 4ª Turma, REsp 241.886/GO, Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, j. 17.08.2004, DJ 27.09.2004; 4ª Turma, REsp 192.681/PR, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, por maioria, j.02.03.2000, DJ 24.03.2003, RSTJ 167/477; 3ª Turma, REsp 1.012.306/PR, Min. NANCY ANDRIGHI, j. 28.04.2009, DJe 07.05.2009.
11. A desconstituição da sentença é de rigor para que se proceda à devida instrução, eis que a ampla dilação probatória, a ser realizada com o intuito de fixar, com a máxima certeza, e por ocasião da ocorrência dos fatos descritos na inicial, o local de residência habitual do menor para a adequada decisão da demanda, visa à efetiva proteção do interesse do menor, objetivo precípuo da Convenção de Haia, bem como de nossa Carta Magna, especialmente em seu artigo 227.
12. Com a insubsistência da sentença e o retorno dos autos à primeira instância, questões relativas a eventual afastamento temporário do menor de seu atual domicílio, bem como a possibilidade de visitas do apelante ao menor, retornam à esfera de competência do juiz singular, onde, então, deverão ser apreciadas, permanecendo válidas e com plena vigência as decisões acautelatórias anteriormente proferidas em 1º grau.
13. Admitido o ingresso da União no feito na qualidade de assistente litisconsorcial; desconstituindo-se, de ofício, a r. sentença monocrática de fls. 552/557, com o retorno dos autos ao juízo de origem para a devida instrução do feito, com a produção das provas pertinentes, bem como a tentativa de conciliação entre as partes, após o que, observadas as formalidades processuais, deverá ser proferida nova sentença, prejudicados o agravo regimental da União, a apelação do autor e a ação cautelar incidental nº 2009.03.00.005254-2, nos termos constantes do voto.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001923-25.2008.4.03.6123/SP, Processo Originário 2008.61.23.001923-7/SP TRF 3ª Região, 2ª Turma, Data do Julgamento: 29/06/2010, Relatora DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MELLO)
Disponível em http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/119651
Por fim, não deixem de estudar cooperação jurídica internacional, especialmente auxílio direto.
Por hoje era isso.
Bons estudos a todos.
Eduardo
loading...
A Constituição Federal prevê que causas fundadas em tratado internacional, em especial quando a União é parte interessada (artigo 109, incisos I e III), devem ser julgadas pela Justiça Federal. Com esse entendimento, a Segunda Seção do Superior...
A atuação da Defensoria Pública como curadora especial para defender interesses de crianças e adolescentes só pode ocorrer quando houver convocação. Esse foi o entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso...
O ordenamento jurídico brasileiro protege a criança e o adolescente da exploração sob todas as formas. A Constituição Federal contempla um sistema especial de proteção dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes que visa garantir,...
Queridos amigos, É com um prazer enorme que divulgamos a vocês nosso primeiro livro publicado. Trata-se de legislação internacional comentada escrito por mim (Eduardo), Érico Gomes, Stanley Valeriano e Nathalia Mariel, tudo sob a brilhante...
E aí meu povo, tudo bom? Atenção para o tema, que não cai: despenca! Vamos a um breve resumo das autoridades centrais no país: Regra Geral: Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI). OU seja, se cair...