Projeto de milhares de brasileiros, passar em um concurso público pode ser a chave para a virada na vida de qualquer um. Mas, e é bem provável que dessa vez seja verdade, nunca antes na história deste país uma classificação conseguiu provocar mudanças tão radicais quanto as experimentadas por Ubirajara Gomes da Silva. "Pude sair das ruas. Não passei mais fome, pude comprar roupas, sapatos e outros objetos que há muito tempo desejava, como um simples Playstation 2. Com a vida estabilizada, conheci minha esposa. Hoje estamos reformando a nossa casa".
Não, você não leu errado. É isso mesmo: ao passar no concurso para escriturário do Banco do Brasil, aberto em 2007, o jovem, então com 27 anos, virava uma página de sua história. Colocava ponto final em um drama particular, tristemente comum a muitos brasileiros. E que em poucos casos ? muito poucos, mesmo ? têm final feliz. "Passei 12 anos vivendo pelas rampas dos hospitais e praças de Recife. Era difícil dormir, comer, lavar roupa, tomar banho e às vezes até para arranjar um bico. Frequentava a escola para ter, muitas vezes, a única refeição do dia. Terminei os estudos fazendo supletivo, pois já estava bastante atrasado".
A ideia de se inscrever para o concurso do BB pintou quando o rapaz viu notícia publicada num exemplar da FOLHA DIRIGIDA. "Li o jornal na biblioteca do estado, que eu frequentava. Mais jovem, tinha prestado provas para o IBGE e a Chesf, entre outros órgãos. Resolvi arriscar mais uma vez. Já vinha no embalo dos estudos. Peguei a prova do concurso anterior e a respondi quase toda. No dia da aplicação do exame, fazia 15 dias que eu não tomava um banho decente. Não tinha dinheiro para comprar um chocolate ou água mineral. Comprei uma caneta azul e, veja que azar, só era permitido fazer prova com caneta preta! Em cima da hora, consegui trocá-la com um concorrente, que tinha duas da cor exigida. A prova trazia 150 questões, das quais só errei 17. Fiquei na 136ª colocação no Recife, onde se inscreveram 19.743 candidatos", recorda-se.
A mesma FOLHA DIRIGIDA, que levou a informação sobre aquele concurso do BB até Ubirajara há seis anos, tem publicado uma série de matérias sobre a nova seleção para escriturário do banco, com formação de cadastro, que permitirá centenas de contratações no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e parte do Amazonas e de Santa Catarina. O cargo de escriturário segue exigindo o ensino médio. E atualmente conta com vencimento inicial de R$2.732,04, sendo R$1.892 de salário base, R$472,12 de auxílio-refeição e R$367,92 de cesta-alimentação, para a carga de trabalho de 30 horas semanais.
Para você que está de olho no próximo concurso, a FOLHA DIRIGIDA informa que o edital deverá ser divulgado até junho deste ano. E, para quem gosta de reclamar que a vida anda meio difícil, Ubirajara Gomes conta em detalhes como foi seu processo de preparação - numa fase em que praticamente sobrevivia de esmolas. Um incentivo e tanto para quem ainda não começou os estudos. "Quem sempre me apoiou e me dava muita força era o José Mauro, filho da Dona Branca, grande amigo meu, e também o Carlos, do Sebrae aqui de Pernambuco, que imprimiu a prova para que eu pudesse estudar", diz ele, que segue em seu relato.
"Apesar da minha situação delicada, sempre quis melhorar e mudar de vida. Estudava com dedicação e perseverança. E não me importava com as palavras negativas que a maioria das pessoas me dizia, como 'você não vai conseguir' ou 'você nunca será alguém na vida'. Pode demorar, doer, custar muito tempo e talvez horas de lazer e diversão com amigos e família, mas creia que no final quem se dedicou haverá de ser recompensado com seu cargo público, com um emprego para toda a vida. Mostre para si mesmo que você é capaz de vencer e fazer a diferença!"
Conflitos em casa levaram o rapaz para as ruasO emprego do verbo 'doer' no testemunho de Ubirajara - ou do Bira, como é carinhosamente chamado pelos colegas - não é apenas figura de linguagem. "A minha pior experiência foi passar fome e frio ao relento. Uma vez, estava na Rua da Imperatriz, no centro da cidade, quando de repente vieram cinco adolescentes em minha direção, para me assaltar, achando que eu estava com algo de valor. Reagi e eles me bateram, me derrubaram no chão, bateram em minha cabeça, minhas costelas. Eu pensei, naquela hora, que iria morrer... Fiquei mais quebrado que arroz de terceira", recorda, destacando que, nestes momentos, travava uma batalha interna para não desviar-se de seu caminho. "Lutava para não perder a sensibilidade e a humildade. Não queria me tornar mais um dos revoltados que vivem na rua fazendo coisas erradas".
Os fatores que levaram Ubirajara às ruas são os mesmos que afetam milhares de crianças e adolescentes Brasil afora. A rejeição e as agressões permanentes dentro daquilo que deveria ser um lar. "Fui criado com minha avó materna dos quatro até os 15 anos, pois minha mãe não criou nenhum dos cinco filhos e meu pai tinha outra família e mais dez filhos. Ele não queria responsabilidades. Minha avó me espancava e maltratava muito. Chegou a dizer, inúmeras vezes, que eu não seria nada na vida. Fugi para a casa de minha mãe, onde passei apenas uma noite por não ser aceito pelo namorado dela, e depois fugi para a casa do meu pai, onde passei 29 dias e fui colocado para fora pela esposa dele após uma discussão. Então, voltei para a casa de minha vó. Aí começaram de novo os maus tratos, porque ela já havia me alertado que no dia que eu fosse pedir ajuda a meu pai, deveria esquecê-la. Depois de uns dias, resolvi ir embora, viver nas ruas. Não tive outra alternativa a não ser sair de casa".
Hoje, aos 32 anos, Ubirajara está casado, ainda não tem filhos, e mora em Jardim São Paulo. "Nossa casa é própria, graças a Deus! Ainda não temos carro, mas sempre nos divertimos indo ao cinema, churrascarias, praias, shoppings, saindo com amigos... Comecei uma Faculdade de Administração, mas tive que trancá-la por motivos de saúde. Mas voltarei no próximo semestre. Na verdade, quero continuar estudando, dentro e fora do banco", planeja. Ele já foi retratado diversas vezes pela imprensa e tornou-se uma espécie de celebridade em seu Estado.
"Por onde passo, sempre tem alguém perguntando se eu sou aquele rapaz que passou no Concurso do Banco do Brasil. No começo, foi um pouco difícil para eu me adaptar às regras, mas fui muito bem recebido. Nos três primeiros anos, trabalhei com processos internos, sem contato com o público. Hoje, trabalho com o público e sou bem quisto. Não me acho uma celebridade! Creio que as pessoas me veem como lição e exemplo de superação. Ainda estou na batalha. Passei três anos em órgãos internos do Banco e, há um ano, estou em agência, onde há mais oportunidade de crescimento. Aqui é tudo corrido, há muito trabalho. É um ambiente dinâmico, porém agradável. Sempre aprendo coisas novas. Gosto do que faço e estou sempre em busca de algo mais", revela Ubirajara, que já prestou provas para outros concursos. E tem novos objetivos pela frente.
"Almejo trabalhar na BB DTVM (Banco do Brasil Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários) ou na Previ, a caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil", pontua o rapaz. Enquanto rara personificação do exemplo, ele encerra esta entrevista com um pensamento. "Essa frase não é minha, mas a utilizo muito no meu cotidiano: 'concurso público não se faz para passar e sim até passar'. É o que defende o William Douglas, o guru dos concursos!". E passar, no caso de Ubirajara, modificou tudo além do que se podia esperar. Foi quase um renascer. Recomeçar.
Fonte: Folha Dirigida
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